Mais um ano se passou, e com isso mais um The Game Awards chegou ao fim, com a edição desse ano coroando Astro Bot como o jogo do ano da premiação. Embora o assunto sobre a credibilidade do evento seja muito discutida pela comunidade, a quantidade de anúncios bombásticos desse ano provou algo que todos já sabiam a um bom tempo: A TGA é uma premiação extremamente influente.
Assim como a premiação de Overwatch em 2016 e God of War em 2018, a ”vitória” de Astro Bot criou uma certa polêmica na internet, principalmente entre os jogadores que tinham Black Myth: Wukong como seu jogo favorito para ser o grande coroado da noite, o que não aconteceu. Divergências com premiações fazem parte do ”jogo”, afinal, tudo é uma questão de opinião, seja a do juri, seja a sua, leitor da Manual que com certeza também tem seu próprio jogo do ano, ou a minha.

Porém, alguns comentários a respeito de Astro Bot tem me chamando muita a atenção… Com alguns jogadores o classificando como uma ”tech demo”, ”um jogo para crianças bobinho” ou até mesmo afirmando com todas as letras que a mídia tenha recebido o tal do ”pix da sony” (incluindo a Manual) para as notas altas em seu lançamento, e principalmente, para a sua premiação na TGA, o que é uma tremenda de uma besteira.
Mas o que é um ”jogo do ano”? O que exatamente um jogo precisa ter para chegar a esse status? Bem, honestamente, não é nenhum bicho de sete cabeças, e Astro Bot é o candidato perfeito para desmistificar o que realmente pode influenciar os membros do juri da The Game Awards.
Astro Bot e a celebração da diversão acima de tudo

Para começar essa reflexão a respeito dessas premiações, precisamos primeiro entender o processo para se analisar um jogo, já que é a partir daí que começamos a moldar essas indicações e premiações, já que boa parte do juri também são os responsáveis pelas tão discutidas notas que são usadas em agregadores como o Opencritic e o Metacritic. Em minhas análises, e imagino que também seja o caso da maioria dos meus colegas de imprensa, eu busco priorizar alguns pontos:
Qual a proposta da desenvolvedora com esse jogo? A execução dessa proposta foi bem feita? Ele se manteve fiel a essa proposta durante todo o percurso? O quão divertida é essa proposta?
Obviamente, não é levado tanto em consideração o roteiro na hora de analisar jogos como os da franquia Monster Hunter, em que a proposta da desenvolvedora é focada quase que exclusivamente em seu loop de gameplay, deixando a história de lado. Em contra partida, títulos focados em narrativa como os jogos da Naughty Dog ou RPGs massivos como os jogos da Atlus ou da Square-Enix, o roteiro também tem um grande peso, já que a narrativa e gameplay precisam se complementar para tornar a experiência divertida e coerente.
Após isso, entram alguns tópicos mais técnicos, como direção de arte, trilha sonora, física, level design, gráficos e até mesmo performance em alguns casos, claro, levando em conta as proporções do título. Obviamente, alguns desses tópicos são suavizados a depender do escopo e proporção do título, afinal, não é justo exigir que um título de uma desenvolvedora indie tenha o mesmo primor técnico de uma grande desenvolvedora de jogos AAA.
Com todos esses tópicos em consideração, damos uma nota baseada em quão bem o jogo executou cada um deles. Jogos que recebem o tão cobiçado 10 são, geralmente, jogos que executam com certa perfeição todas (ou quase todas) as propostas estabelecidas pela desenvolvedora, o que claro, não o torna livre de defeitos, mas sim um jogo em que seus acertos são tão grandes, que seus defeitos acabam se tornando quase irrelevantes na hora de tirar uma média para sua nota final.
E é bem ai que Astro Bot faz por merecer não apenas sua indicação a Jogo do Ano na The Game Awards, mas também sua premiação na categoria: ele beira a perfeição em tudo o que se propõe.

A Team Asobi foi bem clara sobre suas intenções desde o anúncio de Astro Bot: trazer um jogo que prioriza a diversão e interação acima de tudo. E, honestamente, Astro Bot é um dos jogos mais divertidos e geniais que joguei nos últimos anos.
O gênero de plataforma é um dos mais amados pelos jogadores, mas também um dos mais difíceis para criar uma franquia de sucesso, já que para que um jogo do gênero realmente se destaque, é preciso trazer algo novo para a mesa, e Astro Bot não apenas faz isso tão bem como os reis do gênero como Mario, mas adiciona seu próprio toque com o uso do dualsense.
Sim, muito dessa interatividade com o controle do PS5 não é inédita, afinal, Astro’s PLAYROOM, a tech demo que acompanha o console da Sony já trazia muito do que vimos em Astro Bot, mas o novo jogo da Asobi vai muito além disso.

Astro Bot vai muito além do fanservice
Um dos grandes argumentos que tem surgido, é de que Astro Bot foi favorecido por ser um jogo de comemoração dos 30 anos do PlayStation, o que pode ter pegado no emocional do juri, o que honestamente, eu não acredito que seja o caso. Para começar a montar o meu ”caso”, precisamos partir do elemento mais importante de um jogo de plataforma: seu level design.
A Team Asobi não apenas fez o dever de casa nesse aspecto com Astro Bot, mas levou o conceito de ”diversão e criatividade” para outro nível com suas fases, que usam e abusam do dualsense e de seu motor físico. Todas as fases são extremamente criativas, com algumas inclusive usando mecânicas bem únicas, trazendo muita variedade no gameplay, o que é um ponto em que muitos jogos (inclusive alguns indicados) acabam pecando. Tudo no cenário é interativo, com física aplicada e o principal, com o único objetivo de divertir o jogador.
Encontrar os bots e a emoção de rever um personagem de longa data ajuda muito a enriquecer essa diversão, claro, mas os bots não são os ”astros” das fases do jogo, eles são apenas a cereja de um bolo extremamente bem construído. Interação e diversão são a base de toda a proposta de Astro Bot, e a Team Asobi executou tudo com extrema maestria.
Isso nos leva para os aspectos mais técnicos de Astro Bot, que também tem um grande peso na hora de analisar um jogo, e que a Team Asobi também deu uma aula de execução. Durante meu tempo com o jogo, não foram poucos os momentos em que parei para ficar brincando com a física do jogo ou com alguma interação do dualsense, já que a junção de uma física impressionante com as funções do controle criam momentos que apenas os jogos da Asobi conseguiram criar com o PS5 até o momento, fazendo de Astro Bot um dos jogos mais inovadores e criativos dessa geração.

A trilha-sonora também é outro ponto forte do título, que sim, muitas vezes apela para a nostalgia, já que várias fases temáticas usam temas que remetem aos jogos da PlayStation que estão sendo homenageados, mas como dito em nosso review do título, a trilha-sonora de Astro Bot é gostosa de se ouvir e casa perfeitamente com o clima de diversão de sua gameplay, formando o casamento audiovisual perfeito.
A direção de arte e gráficos também são um show a parte, com o uso de uma paleta de cores extremamente diversa, que se adapta de acordo com a temática de cada uma das fases. Alguns de vocês devem estar lendo isso e pensando: ”mas são gráficos infantis, onde que isso é um show?”.
Gráficos realista são importantes? Claro que são, mas para jogos em que sua proposta necessita de texturas realistas, o que não é o caso de Astro Bot, longe disso. Gráficos e direção de arte vão muito além de texturas mais reais que a própria realidade, explosões e lutas épicas que parecem ter saído diretamente de Dragon Ball, mas infelizmente, isso parece ser tudo o que importa para alguns jogadores, o que é uma pena.
O jogo ter sido lançado livre de bugs e sem problemas de performance também é um outro fator que teve que ser levado em conta durante suas análises, o que somado a trilha-sonora, física e outros aspectos técnicos, somam mais um ponto para o robozinho.
A junção de todos esses elementos, arrancou notas 10 não apenas de nossa review escrita pela Juliana, mas de dezenas de outros veículos da imprensa especializada, o que fez de Astro Bot o jogo com melhor avaliação do ano de 2024 nos agregadores Opencritic e Metacritic, a frente de outros gigantes como Final Fantasy VII Rebirth, Metaphor: ReFantazio e até mesmo da expansão Shadow of the Erdtree.

Boa parte dos veículos presentes nesses agregadores, fazem parte do juri que compõe a TGA, o que nos leva a pergunta… Não seria o mais obvio que o jogo melhor avaliado do ano, fosse premiado como o melhor jogo do ano? Bem, para alguns jogadores, parece que não é bem assim, e um dos principais motivos usados para contestar é, honestamente, o que tem menos impacto em premiações que utilizam fatores técnicos para eleger um vencedor.
Não, vendas não importam (ou pelo menos não deveriam)
Um dos grandes argumentos que vejo serem utilizados para descreditar Astro Bot e até mesmo outros indicados da categoria jogo do ano é o fator vendas. Perguntas como ”um jogo que mal vendeu 2 milhões de cópias pode ser o jogo do ano? Black Myth: Wukong vendeu mais de 20 milhões, é claro que ele deveria ser o vencedor!”, são uma das mais comuns nas discussões desde a premiação. Sim, vendas são importantes para o futuro de um jogo, afinal, jogos são produtos e produtos precisam gerar lucro para que novos produtos sejam produzidos, mas ao analisar um jogo pelo que ELE É, que é o principal critério usado para essas premiações, esses números tem pouco (ou nenhum) impacto.
A popularidade de um título ou hype antes de seu lançamento também não tem grande impacto na escolha(ou pelo menos, não deveriam), já que não importa o quanto um jogo venda ou seja popular, isso não irá alterar problemas que podem custar uma indicação ou uma premiação, como um level design não tão intuitivo, uma decisão de roteiro que talvez não tenha agradado, ou até mesmo a recepção inicial de um título por problemas de performance.
Um grande exemplo disso é Batman: Arkhan Knight, que foi completamente esnobado das grandes premiações por seus problemas grotescos em sua versão para PC, apesar de ser um jogo muito bom.
Tudo isso nos leva a um dos grandes pontos de debate e a peça final do quebra-cabeça para a premiação de Astro Bot: a lista de indicados.
Lista de 2024 foi a definição de ”quem ganhar tá ótimo”

A lista de indicados da TGA tinha jogos de peso, embora com algumas indicações questionáveis, é inegável que todos os jogos estavam ali por um grande motivo: Shadow of the Erdtree fez em uma expansão o que muitos jogos completos não conseguiram, Black Myth: Wukong causou um grande alvoroço na internet que não era visto a muito tempo, Metaphor: ReFantazio a magnum opus da Atlus, Final Fantasy VII Rebirth uma clara evolução de uma fórmula que já havia sido premiada em FF 7 Remake, e Balatro, bem, as pessoas estavam jogando Balatro durante a premiação dentro do teatro, isso já responde o motivo de sua indicação, né?
Algo curioso e que vale a pena destacar é a presença de Black Myth: Wukong, que apesar de ter tido uma recepção considerada morna pela crítica, com notas agregando em 81 e sendo recomendado por 80% dos críticos no Opencritic, ainda assim teve forças para ser o queridinho de muitos membros do juri, conquistando sua indicação.

Apesar disso, Wukong honestamente estava lutando uma batalha perdida. Não me levem a mal, o título de estreia da Game Science tem sim seus méritos, principalmente em seus visuais que são realmente impressionantes, mas o ”jogo do macaco” deixou muito a desejar principalmente em seu level design.
Shadow of the Erdtree, por sua vez, é um caso um tanto quanto… estranho. Sim, Shadow of the Erdtree é incrível, sim, eu provavelmente passei mais tempo em Lands Between do que em outros jogos que joguei esse ano, mas no fundo, Shadow of the Erdtree ainda é uma expansão. Por mais que o título seja grandioso, ainda é necessário não apenas possuir Elden Ring para acessar seu conteúdo, mas também chegar ao seu endgame, o que com certeza foi o maior motivo pela não premiação do título no evento.
Os quatro títulos que sobraram é o que melhor podemos chamar de ”quem ganhar, ganhou”, já que todos executaram com maestria suas propostas, seja em gameplay, roteiro, ou em seu escopo. Astro Bot apenas calhou de ser o jogo que mais representa a essência do que É um videogame, priorizando a diversão acima de tudo, sem um grande roteiro por trás, sem grandes mecânicas de RPG e árvores de skills, escolhas… Astro Bot é direto: sente-se e aprecie um bom videogame, seja lá qual for o seu gênero favorito, você irá se divertir.
E no final de contas, é sobre isso que se tratam videogames.. Diversão! E na The Game Awards desse ano, Astro Bot representou a base de toda essa indústria, que parece ter sido esquecida nos últimos anos.