Qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça quando você pensa na palavra “videogame”? Na minha é um controle, ou pelo menos uma pessoa sentada em frente à TV segurando um. O meu ponto é: o que realmente diferencia os jogos das outras artes é a sua interatividade e a importância dessa interatividade. O principal pilar de um jogo é a sua gameplay e o quão bem ela funciona.
Óbvio que existem jogos mais focados em narrativa, como Detroit: Become Human e o recente Hellblade 2, mas jogos como Detroit ainda oferecem algo que não é possível de experienciar em outras mídias: a ramificação da história. Por pouca gameplay que ainda apresente, ela ainda é importante para a tomada de decisões e definir se o rumo do personagem será A ou B.
Mas vamos voltar alguns anos no tempo, bem antes dos jogos citados acima terem sido sequer anunciados, mas não tanto para que a maioria das pessoas que estão lendo este texto não terem memória do ocorrido. Na transição do PlayStation para o PlayStation 2, qual foi a primeira coisa a ser notada e que realmente nos fazia sentir que aquele console realmente era uma transição de geração? Os gráficos dos jogos.
Basicamente, a primeira impressão que você terá de um jogo é o seu visual. Portanto, não é de se surpreender que quando a indústria realmente começou a crescer e ganhar força dentro do entretenimento, o seu primeiro foco tenha sido justamente a questão gráfica. Eles eram praticamente um medidor do quanto a tecnologia estava avançando, e um cartão de visitas para as pessoas que ficavam cada vez mais fascinadas com o quão parecido com a realidade um jogo ficava.
Isso explodiu durante a sétima geração, o salto gráfico entre o PlayStation 2 e o PlayStation 3, por exemplo, foi imenso. Mas isso não veio sem problemas à indústria, o foco pesado em gráficos além de ser mais custoso, abrindo caminho para os orçamentos de mais de 200 milhões de dólares que vemos hoje em dia, também é mais trabalhoso, exigindo um foco pesado nesse aspecto e deixando outros elementos de lado.
É só pensar nos principais títulos que você costumava jogar no PlayStation 2, em comparação aos do PlayStation 3 ou Xbox 360. Os jogos de sétima geração obviamente eram mais bonitos, mas principalmente no caso dos títulos ocidentais, pode-se perceber que o foco era tanto em deixar com um clima tão realista, que muitas vezes os controles eram pesados e não tão bem executados, ao contrário da sexta geração que permitia mais liberdade criativa.
Esse foco tão forte em gráficos ainda se estendeu por um longo período da oitava geração, no qual todo o hardware dos consoles era focado em entregar a experiência mais visualmente realista o possível. O primeiro trailer de Uncharted 4, na E3 de 2014, praticamente quebrou a internet mostrando apenas um Nathan Drake no meio da selva com gráficos excepcionais.
E muitos outros jogos vieram nessa crescente, focando cada vez mais em apresentar gráficos fotorrealistas, aumentando cada vez mais o orçamento das produções e não dando tanto destaque a detalhes como gameplay. Isso tudo estamos falando em sua maioria dos estúdios ocidentais, porque até esse momento, a grande maioria das empresas asiáticas estavam no seu canto, lambendo suas feridas após desastrosos lançamentos durante a sétima geração, e tentando compreender o mercado para retornarem ao auge.
Ao final da oitava geração, enquanto empresas como CAPCOM e Square Enix conseguindo voltar a se estabelecer, tivemos alguns jogos como Marvel’s Spider-Man e Ghost of Tsushima que, apesar de serem muito bonitos, focaram um pouco menos em fotorrealismo, e mais na qualidade de gameplay.
Porém, foi na transição para a nona geração e a falta de um impacto no aumento da qualidade gráfica que o bicho começou a pegar. Não é difícil encontrar comentários por aí de que Spider-Man 2 e Final Fantasy VII Rebirth rodariam facilmente no PlayStation 4, baseando-se apenas em qualidade gráfica. Porém, esses dois jogos possuem elementos de gameplay e partículas que usam recursos da atual geração que não conseguiriam ser reproduzidos na anterior, nem mesmo com apenas uma redução gráfica.
Os jogos atuais tem usados mais recursos dessa geração em outros aspectos, como o uso fantástico do SSD para transição de fases, como visto em Ratchet & Clank: Rift Apart, por exemplo. Ou a maior quantidade de inimigos e partículas na tela, que exigem muito mais processamento do que a geração anterior poderia proporcionar.
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Nós chegamos em um ponto em que os gráficos estão tão bonitos, e fazer jogos está tão caro, que não vale a pena continuar investindo somente nisso. É maravilhoso que o foco do game design no momento seja justamente o gameplay e a criatividade em torno disso. Eu prefiro muito mais a liberdade de planar em alta velocidade (possibilitado pelo uso do SSD) por aí e o combate de Spider-Man 2, a praticamente só assistir a um filme na minha tela.
Não vale a pena um ciclo de desenvolvimento de jogo aumentar para 7, 8 anos só para entregar gráficos fotorrealistas. Não compensa focar somente nesse aspecto gráfico, e esquecer do principal de um jogo que é a sua gameplay, e o quão divertido ele pode ser. E tá tudo bem um jogo ser focado em narrativa, mas ele não pode ser apenas isso.
Horizon Forbidden West é um bom exemplo. É um dos jogos mais bonitos até agora, mas quantas pessoas você conhece que nunca conseguiram sequer terminar o jogo? Ele sofre de problemas de ritmo e repetição, apesar de ter uma gameplay inicialmente divertida e melhorada em relação ao primeiro jogo. A história demora para avançar, quando avança é uma bagunça, e o design do jogo no geral não te incentiva a querer continuar pra ver a conclusão da salada mista que virou a vida de Aloy.
Não é à toa que a Nintendo consiga se firmar tão bem no mercado, mesmo com consoles bem menos poderosos que os do competidores. Focar em gameplay e diversão foi o diferencial da empresa, e mesmo alguns escorregões como a performance horrorosa do último Pokémon, se mantém numa posição única na indústria.
Um bom estilo de arte é mais “saudável” para os jogos do que apenas gráficos fotorrealistas
Sabe um jogo que eu realmente não gostei, mas é inegavelmente bonito até hoje, e muitos também se surpreendem nesse aspecto? Final Fantasy XIII. Mas o que faz esse jogo se destacar no meio de tantos da sétima geração que sofreram da maldição do “envelhecer mal”? O seu estilo de arte. A arte mais puxada para o anime, e com cores vívidas da franquia Final Fantasy fazem com que seus jogos resistam mais ao teste do tempo do que jogos voltados para o realismo.
Quantas vezes vocês voltaram para um jogo que era muito querido por vocês da sétima geração e tiveram um choque de realidade? Não apenas em questão de gráficos, mas em gameplay? O primeiro Uncharted é um excelente exemplo de um título que é difícil de se jogar hoje em dia, praticamente tudo nele é datado. E o mesmo raramente acontece em questão de gameplay com jogos anteriores à sétima geração, porque o foco deles era justamente a diversão, e não apenas aparência.
Óbvio que isso não quer dizer que eu sou contra existirem jogos focados em gráficos fotorrealistas, até porque tudo depende da proposta em primeiro lugar. O meu ponto é que o público deixe de ver isso como um padrão de qualidade, enquanto julga outros jogos que são mais “cartoonizados”. A situação de querer um realismo cada vez mais surpreendente chegou ao ponto de ser quase insustentável na indústria.
A tecnologia e tempo necessários para se alcançar esse resultado saem muito caro, e não compensa em relação ao resultado alcançado. Não é por coincidência, e nem tampouco preguiça que a Ninja Theory, com muito menos funcionários que a média de um jogo AAA, não conseguiu entregar muita gameplay em um jogo totalmente focado em experiência narrativa e visual. Isso demandaria muito mais gente e tempo, o que eles provavelmente não tinham.
Nenhuma empresa vai querer aumentar ainda mais os ciclos de desenvolvimento, que já são longos, e passar anos sem entregar um título novo. E ainda bem que eles reaprenderam a focar no game design e gameplay ao invés de focar apenas no visual.
Gráficos não são o principal de um jogo, eles são apenas um de vários elementos que compõem uma experiência, e você pode estar deixando de jogar coisas incríveis por conta disso. E querer forçar que empresas foquem principalmente nisso descaracteriza o que faz essa arte diferente das demais, então eu peço encarecidamente que você foque mais em filmes do que em videogames, se esse for o caso.