Clair Obscur: Expedition 33 chega para responder uma pergunta que provavelmente pouquíssimas pessoas se perguntaram ao longo da vida: como seria um JRPG feito por um estúdio francês? Mas apesar da ideia soar um pouco maluca no papel, os desenvolvedores da Sandfall Interactive vieram mostrar que dedicação e paixão pelo o que faz, transforma qualquer ideia maluca em uma obra de arte.
Uma história sobre perda e luto
A premissa de Clair Obscur: Expedition 33 já começa interessante. Na cidade de Lumiére, que foi separada do continente principal em um evento chamado de fratura, os habitantes precisam conviver com uma triste realidade: todo ano eles acabam perdendo uma parcela razoável da população. A culpada? Uma entidade chamada Artífice, que a cada ano pinta um número em seu monólito.
O monólito é como se fosse uma contagem regressiva, a sua primeira pintura foi do ano 100, e desde então vem reduzindo seu número na mesma data, todo ano. O problema é que, com a pintura da nova data, a parcela da população que tem essa idade é simplesmente apagada, em um evento chamado pelos habitantes de Gommage.
E todo ano uma nova expedição sai em direção ao continente para tentar derrotar a Artífice, para que ela nunca mais pinte um número, evitando o fim da população de Lumiére. As expedições ganham o nome do número que está no monólito naquele ano, e daí vem a expedição 33, composta por membros que estão em seu último ano de vida e vão usar esse tempo para tentar impedir a Artífice, a exceção sendo Maelle, que tem apenas 16 anos, mas não quer ficar mais em Lumiére.
Mas essencialmente, Clair Obscur: Expedition 33 é uma história sobre luto, com personagens que precisaram passar pela perda de amigos e familiares relativamente cedo e de maneira constante em suas vidas, o que os move ainda mais na sede de finalmente derrotar a Artífice e acabar com o ciclo.
E senhoras e senhores, que história. Seguindo os moldes dos JRPG, e principalmente da maior inspiração do jogo: Final Fantasy, Clair Obscur: Expedition 33 conta uma história cativante, que te intriga e te deixa desesperado por respostas, e é uma montanha-russa de emoções, trazendo as mesmas sensações de quando você experimentou os antigos Final Fantasy pela primeira vez.
E acreditem em mim: o quanto menos vocês souberem sobre a história desse jogo, melhor é a experiência. É impressionante o nível alcançado pelos roteiristas desse jogo, com cada tijolinho que compõe o universo criando uma estrutura sólida, mas o destaque não fica somente para a forma como o universo foi construído, mas para a própria narrativa em si. Os diálogos tem bom conteúdo, cada fala que sai da boca de um personagem tem profundidade e adiciona em alguma coisa, seja em sua personalidade, ou para a trama em si.
E com isso, vamos para o nosso próximo tópico:
Eu não estou preparada psicologicamente para me despedir desses personagens
Os meus Final Fantasy preferidos geralmente são os meus preferidos por um motivo: o elenco. Por exemplo, por mais que Final Fantasy XII tenha um bom enredo de universo, com intrigas políticas e várias outras coisas, ele acaba ficando em um lugar mais baixo da minha lista, porque com a exceção de Fran e Balthier, o carisma e profundidade do resto do elenco deixa a desejar (sim, Vaan, eu estou falando de você)
Clair Obscur: Expedition 33 felizmente conta com um elenco muito bem construído, com diálogos que refletem bem suas personalidades, e que soam reais, ainda mais por se tratar de um elenco que já está na faixa dos 30 anos de idade, então o texto pede uma maior maturidade do que a média de outros JRPGs, que geralmente contam com protagonistas mais novos.
A caçulinha do grupo, Maelle, também tem a sua idade bem refletida, com momentos que sabem destacar a sua falta de maturidade e experiência em comparação ao resto do grupo. As relações entre os personagens também são bem estabelecidas, e você consegue sentir a amizade já estabelecida anteriormente ao começo do jogo entre os personagens, como Sciel, que é mais próxima de Gustave do que de Lune, por exemplo.
O jogo também conta com um pequeno sistema de melhorar seu relacionamento com outros personagens, fazendo o jogador ter a opção de ver cutscenes adicionais para entender mais sobre eles. E no acampamento, também tem a opção de checar como eles estão, o que fornece ainda mais cenas e trechos que fortalecem a amizade entre os personagens.
Até mesmo personagens mais secundários, como os Gestrals, uma raça de criaturinhas adoráveis, mas um pouco burrinhas, acaba chamando a sua atenção. Eles são um excelente respiro de alívio cômico durante a trama, com o seu idioma único, mas que soa de forma maravilhosa.
Além do roteiro impecável, as interpretações também ajudam muito, com o jogo contando com um elenco de peso. A Sandfall Interactive conseguiu Charlie Cox, o Demolidor, para dar vida à Gustave, Jennifer English, de Baldur’s Gate 3 e Wuthering Waves para Maelle, e Ben Starr de Final Fantasy XVI para o misterioso Verso.
Apesar da satisfação de chegar ao final de Clair Obscur: Expedition 33, e você finalmente ter as respostas das perguntas que foram sendo criadas ao longo da narrativa, a sensação de luto que tanto permeia o jogo também chega para o jogador: você não vai querer se despedir desses personagens.
Se Final Fantasy e Dark Souls tivessem um filho…
Eu confesso que ao longo dos anos eu tenho perdido a paciência para jogos de turno, a exceção recente foi Baldur’s Gate 3, que conta com várias mecânicas que incentivam a criatividade do jogador ao longo das batalhas. Fora isso, eu tenho o costume de mandar o personagem dar o golpe e olhar para a tela do meu celular enquanto os inimigos atacam.
Bom, isso não é uma possibilidade em Clair Obscur: Expedition 33. O jogo conta com um sistema de esquiva e parry em tempo real, ou seja, você precisa estar atento aos golpes dos inimigos a todo momento, porque esses golpes dão um dano considerável em seus personagens, então você quer evita-los ao máximo.
E o timing desses golpes é extremamente variável. Um mesmo inimigo terá uma diversidade de golpes diferentes, com você precisando prestar atenção para ler os movimentos dele e poder se esquivar no tempo correto. As janelas de tempo de esquiva são mais fáceis que a de parry, então é uma boa estratégia focar primeiro na esquiva antes de tentar aperfeiçoar o tempo do seu parry.
É um sistema que te deixa tenso, principalmente contra chefões, mas que é incrivelmente viciante e satisfatório quando você pega o jeito. É quase como se Final Fantasy clássico e Dark Souls tivessem um filho, com você precisando ficar atento a todo momento, e com inimigos que fingem que vão dar o golpe, você aperta o botão de esquiva e, olha só, ele tava te enganando…
Os personagens contam com mecânicas únicas, como Monoco, que é praticamente um Blue Mage dos Final Fantasy antigos, desbloqueando novas habilidades conforme você vai derrotando inimigos diferentes. O sistema de habilidades deles permitem uma variedade de diferentes estratégias, tanto de sinergias entre eles, quanto uma estratégia que funciona somente com um personagem em específico.
Além das habilidades, também temos o sistema de Pictos e Luminas. Pictos são habilidades passivas que, ao serem equipadas, após 5 batalhas disponibilizam essa mesma passiva para ser usada com pontos de Lumina nos personagens. E os Pictos também servem para adicionar status como defesa, vida, velocidade e chance de crítico.
A única parte que tropeça um pouco na questão da gameplay ao longo de Clair Obscur: Expedition 33 fica por conta da exploração. O jogo conta com dois sistemas, o mundo aberto, aos moldes de JRPGs clássicos que permite que você escolha uma área para entrar, e essa área é um mapa menor que pode ser explorado.
A questão é que essas áreas menores não possuem um mapa, ou um minimapa no canto da tela, e no começo é muito fácil se perder e acabar dando voltas no mesmo lugar. São alguns designs de níveis em específico que isso acontece, a maioria consegue ser um pouco mais direta e linear, mas os mapas que contam com mais opções de lugares para serem explorados podem ser um pouco confusos.
Eu pessoalmente prefiro o fato da exploração ser linear, é só o design das fases que é um pouquinho confusa inicialmente. Mas dentro do mapa mais aberto, Clair Obscur: Expedition 33 conta com uma variedade de locais a serem descobertos, tanto áreas opcionais ao longo da campanha, quanto áreas de nível mais alto que fazem parte do vasto endgame.
Clair Obscur: Expedition 33 também conta com alguns poucos mini games, mas muito engraçados, principalmente em áreas chamadas de Praia dos Gestrais.
Chiaroscuro
Chiaroscuro é uma técnica de pintura que foi desenvolvida na Itália durante o Renascimento. A técnica possui esse nome por conta do seu contraste entre claridade e escuridão, por isso o nome. E Clair Obscur nada mais é que o nome em francês dessa técnica.
Clair Obscur: Expedition 33 não tem seus gráficos baseados em contraste de claro e escuro, mas são quase tão bonitos quanto os de um quadro. Além da modelagem dos personagens, que é muito bonita e bem detalhada, cada fase do jogo tem uma beleza única, com cores cuidadosamente escolhidas para deixar o ambiente o mais marcante possível.
Isso vai desde áreas que se parecem com o fundo do mar, até florestas que não seguem o padrão do verde das folhagens. Até a própria Lumiére, claramente inspirada na Paris do século XIX, tem um charme diferenciado da vida real. A direção de arte é um grande destaque do jogo, que já se destaca por outras características também excelentes.
Outra grata surpresa foi a trilha sonora. Além de se destacar por sua altíssima qualidade, e algumas músicas tema extremamente chicletes que passarão dias tocando na sua cabeça, incluindo o tema principal do jogo, a mixagem de áudio sempre faz questão de destacar as músicas.
Sem contar alguns momentos em que a música se entrelaça com diálogos, chegando até a responder algumas perguntas caso você preste bastante atenção, mas eu não vou falar nada além disso, porque aí já seria spoiler. Mas prestem muita atenção na música tema principal.
Considerações Finais
Eu confesso que, assim que vi Clair Obscur: Expedition 33 inicialmente, eu imaginava um bom jogo com inspiração em Final Fantasy, mas não imaginava de maneira alguma o nível de emoção e qualidade que o título de estreia de uma desenvolvedora independente acabaria entregando.
Com a alma de um Final Fantasy da época do PlayStation 2 para trás, Clair Obscur: Expedition 33 consegue se consagrar como um grande JRPG, e principalmente um dos melhores dos últimos 10 anos. Eu esperava um bom jogo, mas acabei me deparando com um Final Fantasy 17, de uma qualidade que a Square Enix só conseguiu entregar em Final Fantasy 7 Rebirth, mas não conseguiu o mesmo em um novo título numerado em muitos anos.
Essa review apenas foi possível graças à uma chave enviada pela publisher, muito obrigada!
O Review
Clair Obscur: Expedition 33
Eu confesso que, assim que vi o título inicialmente, eu imaginava um bom jogo com inspiração nos JRPG clássicos, mas não imaginava de maneira alguma o nível de emoção e qualidade que o título de estreia da Sandfall acabaria entregando, sendo quase que o Final Fantasy 17 dos nossos sonhos. É uma das melhores narrativas que eu já tive o prazer de experimentar, com uma gameplay que engaja e vicia. Clair Obscur: Expedition 33 é, de várias formas diferentes, uma obra-prima. Quando um cai, nós persistimos.
PRÓS
- Direção de arte impecável
- Excelentes diálogos e construção de personagens
- História fantástica
- Gameplay viciante
CONTRAS
- O jogo acaba