Após Ashen, um RPG de ação que conseguiu a sua parcela fiel de fãs, a A44 Games nos traz Flintlock: The Siege of Dawn. Apesar de seu visual belíssimo, o jogo vem carregado de diversos problemas, principalmente no que diz respeito a roteiro e estrutura básica de combate. Se Forspoken e Dark Souls 1 tivessem um filho, este filho definitivamente seria Flintlock.
Seguindo apenas a história principal, o jogo pode ser terminado em torno de 10 horas, podendo se estender para mais de 20 horas caso conteúdos extra como quests secundárias e itens pelo mapa.
Atalhos de conteúdo
Beleza não se põe na mesa
O jogo é inegavelmente lindo, forçando ao máximo toda a capacidade da Unity, e sem problemas técnicos como queda de FPS e pouquíssimos bugs. Um dos únicos bugs que eu encontrei ao longo das 10 horas de campanha, foi um momento em que Enki, a raposa que acompanha a protagonista Nor ficou presa no cenário. Porém, ao entrar em combate e utilizar o botão para que ele ataque, tudo voltou ao normal.
A arte de Flintlock: The Siege of Dawn é muito interessante, com criaturas de design curioso, e uma iluminação que enche os olhos em determinados quadros. Quando a iluminação de uma cor diferente, como a mostrada na foto acima, consegue criar essa silhuetas, fica comprovado o cuidado com a direção de arte do jogo.
O design de Enki é feito com muito cuidado, com um efeito em suas penas que parecem refletir a luz, um efeito parecido com o que é visto nas penas de um pavão, por exemplo.
Dark Souls encontra Forspoken
Como dito anteriormente, o jogo é no estilo souls quando se trata do combate, mas com certos elementos que te lembrarão de um jogo não muito memorável da Square Enix: Forspoken. Além de elementos da história, que serão citados em breve, Flintlock tenta ter uma mobilidade maior da personagem ao explorar os mapas.
Flintlock: The Siege of Dawn usa a estrutura de mundo semi-aberto, no qual regiões tem um mapa de tamanho razoável para serem explorados. Nor, a protagonista, desbloqueia poderes que permitem com que ela utilize pulos duplos, pulo e dash, e um poder extra que permite com que a personagem junte-se à Enki para fazer uma espécie de voo até pontos fixos em formato de triângulos luminosos no ar.
O voo é uma mecânica divertida, e um alívio em um jogo onde a movimentação da personagem principal é tão pesada e travada. Essa escolha faz até sentido dentro da proposta de se inspirar em Soulslike, mas à partir do momento em que você decide dar mais liberdade de movimentação pelo mapa, isso acaba caindo por terra. Os pulos e dashes de Nor são muito pesados, e os momentos de platforming do jogo acabam sendo desnecessariamente frustrantes por conta disso.
O design das fases também deixa a desejar, com inimigos em pontos mais altos atirando flechas ou magias. Normalmente, isso não seria problema, só que a câmera fica tão próxima das costas de Nor, que os inimigos acabam ficando em pontos totalmente cegos do mapa, e Flintlock: The Siege of Dawn conta com uma mecânica parecida com a de almas de Dark Souls, só que com um bônus que multiplica a quantidade de Reputação a depender de como você ataca os oponentes. Porém, ao ser atingido por um golpe, esse multiplicador é zerado.
Por conta desses pontos cegos pela decisão de deixar a câmera tão próxima, o sistema parece acabar punindo o jogador por um erro da própria desenvolvedora. É estranho. A câmera de Flintlock, felizmente, fica um pouco mais distante durante as lutas de chefão, mas ainda está longe do ideal para um RPG de ação.
Fora isso, Flintlock: The Siege of Dawn utiliza a cartilha básica de um Souslike para o combate: você tem o botão de ataque melee, o botão para bloqueio/parry, o botão para esquiva, e a mecânica de impedir golpes específicos dos inimigos ao brilharem em vermelho, precisando atirar com a pistola de Nor para isso. O jogo também conta com pontos de descanso, no qual se pode dar upgrade nas habilidades de Nor e Enki com pontos de reputação, e que fazem os inimigos ressurgir no mapa ao descansar e voltar a encher a quantidade de poções no inventário.
O combate não tem muita variedade, e o maior destaque seria o fato de Enki também ter golpes, com bônus caso o jogador consiga acertar o tempo para que ele e Nor ataquem ao mesmo tempo, preenchendo a barra de “marca da morte”. Com isso, Nor consegue da golpes mais fortes e derrubar seus oponentes.
Às vezes o silêncio é uma dádiva
Lembram anteriormente quando eu citei que o jogo lembrava Forspoken? Bom, não é apenas pela tentativa de maior mobilidade pelo mapa por conta de magia, o roteiro também lembra bastante em questão de qualidade. Ou falta dela. Primeiramente, também temos uma protagonista com um ajudante mágico, dublado por um homem britânico com uma voz que parece o Giles de Buffy: a Caça-Vampiros.
Em segundo lugar, os diálogos te causam vergonha alheia. É incrível como Flintlock em vários momentos sofre com a falta de um roteiro minimamente decente, parece que a história foi colocada como uma decisão de última hora no jogo e está presente apenas para preencher espaço. Muita gente não gosta de jogos que não tenham diálogo, ou que tem caixa de texto, mas não tem dublagem. E eu digo com toda a sinceridade do meu coração: Flintlock: The Siege of Dawn se beneficiaria e muito do silêncio.
Apesar de ter um universo que parece interessante, com deuses e criaturas misteriosas em cada cidade que são chamadas apenas de anfitriões, tudo isso acaba sendo desperdiçado com mal desenvolvimento, diálogos extremamente vergonhosos a nível de Forspoken, e personagens extremamente desinteressantes. Logo no começo, na primeira meia hora de jogo, numa tentativa de desenvolvimento de personagem de Nor, ela acaba perdendo um de seus amigos.
Um amigo com quem vimos ela trocar três frases ao total, e o jogador não tem tempo nenhum de se apegar a ele. Na verdade, eu não consigo nem lembrar o nome desse personagem. Mas é tudo um grande recurso barato de roteiro para tentar convencer o jogador do objetivo de Nor, que é basicamente um tipo de vingança pelo ocorrido no começo.
Enki, a raposa, é um deus que aparece após esse evento inicial para ajudar Nor contra outros deuses, que devem ser mortos ao longo da história. Em teoria, você deveria se apegar à amizade dos dois protagonistas ao longo da jornada, mas a falta de qualidade dos diálogos e o desenvolvimento estranho da progressão da história acabam arrancando a possibilidade disso acontecer.
Os amigos de Nor não possuem destaque nenhum, e você apenas deve acreditar que o grupo que vai se juntando ao redor do acampamento dela são amigos porque a narração te disse assim. A personalidade do mais velho deles, Baz, se resume em ser o cara com síndrome de Gustavo Santaolalla, que fica o tempo inteiro dedilhando um violão. Eu tenho certeza que, na juventude, ele era o cara que tocava Legião Urbana para ficar com as gatinhas.
Eu acho que ouvi uma música aqui
Além da trilha sonora esquecível do jogo, a mixagem de som também não ajuda. Em diversos momentos a música está tão baixa que você até se esquece que tem alguma trilha sonora, e ela só vai ter algum destaque na parte final da história, quando ela finalmente está em um volume decente. Talvez tivesse sido melhor ter deixado Baz responsável pelas músicas do jogo.
Toda aventura pede acessibilidade
Flintlock: The Siege of Dawn conta com algumas poucas opções de acessibilidade, mas lembrando que, apesar dos gráficos belíssimos, ainda se trata de uma produção de menor orçamento, o que reflete até mesmo no seu preço fora do padrão, de R$200,00.
O destaque fica para as opções de mudar as cores de alguns elementos, como a cor para identificar quando é necessário usar o golpe de pistola, muito provavelmente pensando nos daltônicos. O jogo também conta com a opção de mudar o tamanho das legendas, e possui legendas e menu totalmente em português brasileiro.
Vale a pena comprar Flintlock: The Siege of Dawn?
Flintlock: The Siege of Dawn acaba sendo uma reflexão sobre a saturação dos Soulslike na indústria. Parece que toda desenvolvedora agora precisa copiar elementos da FromSoftware na hora de criar um RPG de ação, o que acaba fazendo com que o seu jogo, caso não tenha nada que realmente lhe dê um destaque, fique perdido no meio dessa maré.
Com uma história mal desenvolvida, personagens desinteressantes, e nenhum elemento de gameplay que o faça se destacar entre os demais, Flintlock acaba ficando perdido e sendo completamente esquecível. É uma pena, já que alguns aspectos são interessantes, e o visual de Enki é muito bom. Nor acaba sendo uma das personagens mais sem graça que eu já vi, e olha que eu já critiquei até mesmo a Aloy anteriormente nesse site.
Eu realmente tentei me apegar ao personagem de Enki, pelo fato de que eu adoro animais, principalmente raposas. E tem todo um charme no fato dele ser uma raposa-pássaro, com suas majestosas penas cuidadosamente modeladas em 3D. Mas o roteiro falhou em conseguir me fazer criar uma conexão com ele.
Talvez o jogo tivesse sido mais interessante se os diálogos ruins fossem apenas cortados, e a história desse mais ar de mistério do que deixar várias explicações mal feitas e sendo entregues da maneira mais palestrinha o possível. A utilização de elementos baratos para tentar emocionar o jogador, mesmo sem qualquer desenvolvimento de relacionamento ou personagens também é um erro gravíssimo.
Dá para sentir um potencial no jogo, porém, ele acaba sendo desperdiçado por erros bobos. Fãs do tipo de gameplay vão curtir os desafios ao longo da campanha, e os elementos de voo para mobilidade do mapa citado anteriormente. Mas é isso, é uma distração momentânea que não vai ficar guardada no coração nem no mais ávido fã do estilo souls.