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Análise | A Quinta Estação

Em um workshop organizado pela própria NASA (Agência Espacial Americana), o LaunchPad, realizado em junho de 2009, com o objetivo de fomentar a divulgação científica por intermédio da criação de conteúdo com um sólido embasamento científico envolvido, foram convidados influenciadores digitais além de escritores de ficção científica e fantasia. Em meio a esse ambiente efervescente, N. K. Jemisin começou a desenvolver a idéia do que viria a ser a trilogia Terra Quebrada, com o primeiro livro da série, A Quinta Estação, um dos romances mais criativos e científicamente precisos (posso afirmar enquanto geólogo) que tive a oportunidade de ler até o momento.

K. Jemisin é uma prolífica escritora de ficção científica e fantasia de origem nova-iorquina, com diversos livros e contos publicados. Seus trabalhos lhe renderam inúmeras indicações e premiações, sendo que os mais relevantes prêmios conquistados través da trilogia Terra Quebrada, cujos os dois primeiros livros da trilogia (A Quinta Estação e O Portão do Obelisco*) foram contemplados, respectivamente em 2016 e 2017, com um Hugo Award de Best Novel e o último livro da trilogia, O Céu de Pedra, em 2018 é premiado com um Nebula Award de Best Novel e um Locus Award de Best Fantasy.

Imagine que como a milhares de anos atrás, a capacidade de o ser humano adaptar o meio ambiente a suas maneiras de vida fossem reduzidas a quase zero, e voltássemos a viver quase que completamente a mercê das condições climáticas e naturais. Agora imagine você, que essa natureza é absolutamente implacável. Em uma Terra pós apocalíptica, todo o ciclo tectônico do planeta está em desequilíbrio, de modo que uma infinidade de terremotos, maremotos seguidos de tsunamis além de intensa atividade vulcânica pipocam indiscriminadamente em toda a superfície habitada, e nesse cenário caótico, o que sobrou da humanidade, sobrevive da melhor maneira possível.

Em meio a esse cenário devastador, as quatro estações do ano são seguidas, em intervalos irregulares por uma Quinta Estação, que é marcada pelo aumento da intensidade das atividades vulcânicas e tectônicas. E como consequência disso, a Terra passa por longos períodos sem luz solar e com variações bruscas de temperatura. Com verdadeiras chuvas de cinzas vulcânicas que destroem as plantações, florestas e tornam a vida das pessoas um verdadeiro martírio.

Após chegar perto da extinção, o que sobrou da raça humana se adaptou a essas condições implacáveis por intermédio de medidas extremas que não permitem margem para contestação. As pessoas se organizaram em comunidades, onde os cidadãos trabalham em conjunto para preservar a existência do todo e se preparar (estocar alimentos e materiais essenciais) para a inexorável chagada da Quinta Estação. Os cidadãos dessa comunidade são divididos em castas ou classes hereditárias e sem possibilidade alguma de mobilidade, cada uma destas castas tem uma função bem definida na comunidade, soldados, lavradores, construtores, estudiosos, líderes etc. Existem ainda pessoas que vivem marginalizadas, fora das comunidades, e estão fadadas à mendicância e a criminalidade, sem a menor possibilidade de sobrevivência nos períodos mais críticos.

Além dos seres humanos propriamente ditos, temos os Comedores de Pedra, uma espécie humanoide senciente raramente vista e cujos objetivos são um mistério. Possuem características físicas essencialmente parecidas com as dos humanos, e apesar de algumas peculiaridades físicas, podem passar despercebidos em meio a cidadãos comuns.

Os seres humanos, ao longo de milênios sobrevivendo sobe as novas condições naturais da Terra, evoluem de maneira diferentes, onde além das variações esperadas nos atributos físicos que se adaptam da melhor maneira a essas novas condições, desenvolve-se em poucas pessoas, a habilidade manipular a energia termal e cinética da terra para lidar com os eventos sísmicos – os Orogene. Esta classe é completamente marginalizada, alvo de preconceito e violência, sendo treinados para controlar seu poder e usá-lo em benefício da sociedade. Quando um Orogene é descoberto, quase sempre enquanto criança, os líderes da comunidade enviam-no para o Fulcro, espécie de escola/prisão, mas não são raros os casos onde essas crianças são brutalmente assassinadas pela comunidade, que as vê como um perigo latente.

No primeiro livro da trilogia, acompanhamos a jornada de Sineinte, uma jovem orogene que vive em meio a uma sociedade cruel, pragmática, supersticiosa além extremamente preconceituosa vivendo os momentos iniciais do que pode ser o início de mais uma Quinta Estação, que promete ser especialmente devastadora e coloca em cheque toda a existência na Terra.

O romance Quinta Estação foi publicado no Brasil 2017 pela Editora Morro Branco, e se trata de um livro de ficção científica com elementos de fantasia arrebatador, com uma construção de mundo extremamente complexa e rica. A sociedade imaginada por N. K. Jemisin é impressionante, verossímil até nos mínimos detalhes e traz à tona temas complexos que são tabus até mesmo na nossa sociedade atual.

Seguramente é um livro de ficção científica da mais alta qualidade, obrigatório para todos os apreciadores do gênero, e que consegue alcançar o objetivo proposto pela NASA de maneira primorosa, introduzindo conceitos puramente científicos de maneira natural em meio ao enredo. A história é tão envolvente que, sem dúvidas, você se verá pesquisando o conceito geológico de pontos quentes, câmaras magmáticas, falhas geológicas sem nem perceber, apenas pela curiosidade.

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